Powered By Blogger

terça-feira, 27 de abril de 2010

A LEITURA MERECE INCENTIVO

O X da questão: incentivar a leitura é fundamental



Num país castigado pelo analfabetismo, projetos de incentivo à leitura são muito mais que bem-vindos: são fundamentais

Fred Linardi (novaescola@atleitor.com.br), colaborou Eduardo Lima

Correr os olhos pelos livros dispostos numa prateleira, escolher um deles e dirigir-se à poltrona mais próxima, seja na biblioteca, na livraria ou na sala de casa. Melhor ainda: deixar-se escolher por uma obra literária. À medida que as páginas são viradas, o leitor se vê transportado para uma espécie de realidade paralela - um mundointeiramente novo, repleto de descobertas, encantamento e diversão. Pouco importa se quem lê é criança, jovem ou adulto. Menos ainda se o que está sendo lido é poesia, romance ou um livro de auto-ajuda. O que realmente interessa é a cumplicidade entre o leitor e a obra, alicerçada no prazer que só a leitura é capaz de proporcionar.

Ler por prazer é o X da questão. Há quem leia, por exemplo, apenas para se informar, dedicando regulamente algumas horas de seu precioso tempo a jornais e revistas - como você, caro leitor, está fazendo neste exato momento. Trata-se de um hábito mais que saudável, a ser preservado e disseminado, e de suma importância na chamada "sociedade da informação" em que vivemos. Mas ele não necessariamente irá transformar você num apaixonado pela palavra escrita. Da mesma forma, a leitura para estudar, parte da rotina nas salas de aula, tem suas funções pedagógicas, mas não faz despertar a paixão pela literatura. Quem descobre prazer numa obra literária nunca mais pára de ler. Quando chega ao fim de um livro, já está louco para abrir o próximo. E só tem a ganhar com isso.

O papel da escola é fundamental nesse processo. E quem melhor que o professor para despertar em seus alunos o prazer da leitura? São muitas as atividades que podem ser desenvolvidas em sala de aula com esse objetivo. "Promover um debate, por exemplo, para discutir cenas ou situações presentes num livro que acaba de ser lido pela turma é uma prática importante e muitas vezes esquecida", afirma a educadora Maria José Nóbrega. O problema é que o profissional de educação nem sempre conta com os recursos necessários para concretizar essas atividades, ou simplesmente não sabe como implementá-las.

Quando a escola não cumpre esse papel, ganham relevância os inúmeros projetos de fomento à leitura espalhados pelo Brasil, tema desta edição especial de NOVA ESCOLA. Num país que ainda sofre com deficiências no ensino público e com o alto índice de analfabetos funcionais (aqueles que, embora tenham aprendido a decodificar a escrita, não desenvolveram a habilidade de interpretação de texto), qualquer iniciativa que vise a transformar brasileiros em leitores é extremamente bem-vinda.



Por que lemos tão pouco?


Segundo a Câmara Brasileira do Livro (CBL), cada brasileiro lê pouco mais de dois livros por ano. Na Inglaterra, estima-se que a média seja de 4,9; nos Estados Unidos, é de 5,1. Outro dado preocupante: por aqui, o tempo médio dedicado à leitura não passa de 5,5 horas por semana, enquanto na Índia - um país em desenvolvimento cuja situação econômica é semelhante à do Brasil - a média é quase o dobro, de dez horas semanais. Por que lemos tão pouco? Há várias respostas, a começar pelo desconcertante grau de analfabetismo funcional.

O último Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado no início de 2008 pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa, revela que apenas 28% dos brasileiros com idade entre 15 e 64 anos têm domínio pleno da leitura e da escrita - ou seja, conseguem ler textos longos, localizar e relacionar mais de uma informação, comparar dados e identificar fontes. Entre os 72% restantes, as habilidades de leitura e escrita são rudimentares ou básicas, limitando-se à compreensão de títulos, frases e textos curtos.

Outro fator que ajuda a explicar os índices precários de leitura no Brasil: até o final de 2007, 380 municípios de todo o país - cerca de 7% do total - simplesmente não contavam com uma biblioteca pública sequer. A situação já foi bem pior: em 2003, eram 1 173 as cidades sem esse serviço. No entanto, construir bibliotecas Brasil afora e enchê-las de livros não significa resolver o problema. É preciso preparálas para atingir seus objetivos, entre os quais destaca-se o de incentivar a leitura entre crianças, jovens e adultos. "Nos últimos 15 anos, passamos a encontrar livros em maior quantidade nas bibliotecas", afirma Elizabeth Serra, secretária-geral da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). "O problema é que, no Brasil, a rede de bibliotecas públicas é muito frágil. O sistema não foi informatizado, não há espaços planejados para os pequenos, os livros são antigos e não há renovação anual do acervo."



Nó que ninguém desata


Se o cidadão mora numa cidade em que não há biblioteca pública, ou se a existente não conta com um acervo que satisfaça suas necessidades, uma alternativa é ir até a livraria mais próxima e comprar o livro que ele tanto quer ler. Aqui, no entanto, esbarramos em dois outros problemas, que também explicam a dificuldade que o Brasil enfrenta para formar novos leitores.

De acordo com diagnóstico do setor livreiro, divulgado pela Associação Nacional de Livrarias (ANL) no fim de 2007, o país conta com apenas 2 676 estabelecimentos dedicados à venda de livros. É pouco: uma livraria para cada grupo de aproximadamente 70,5 mil habitantes. Na vizinha Argentina, a relação é de uma para 50 mil pessoas. Para piorar, as livrarias estão concentradas nas regiões mais desenvolvidas, justamente aquelas que também são atendidas por um número maior de bibliotecas públicas. Mais de 50% das livrarias ficam na região Sudeste, sobretudo nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro - juntos, eles reúnem 1 371 estabelecimentos. Em contrapartida, a ANL identificou apenas 524 livrarias em toda a região Nordeste (20% do total nacional), 132 na região Norte (5%) e 118 na região Centro-Oeste (4%). Roraima é o estado brasileiro com o menor número de estabelecimentos dedicados à venda de livros: apenas quatro, ou o equivalente a uma livraria para 164 mil habitantes. O quadro é ainda pior em Tocantins, onde a média é de 181 mil habitantes por estabelecimento.


 Ter uma livraria na esquina de casa, porém, não quer dizer muita coisa, já que livros sempre foram artigos de luxo para a maioria da população brasileira. O preço médio do exemplar varia entre 25 e 30 reais - ou seja, até 7% de um salário mínimo. Por falta de leitores, quase todos os títulos editados no Brasil têm baixa tiragem, o que empurra o preço do exemplar para cima. Se o livro é caro, as vendas não aumentam; se as vendas não aumentam, o preço continua elevado. E o resultado é um nó que, até agora, ninguém descobriu como desatar.



"No Brasil, a rede de bibliotecas públicas é frágil. Os livros são muito antigos e o sistema ainda não foi informatizado"



Despertar para a leitura


Felizmente, nem tudo são trevas quando o assunto é o despertar da leitura no Brasil. Nos últimos anos, algumas ações capitaneadas pelo poder público, pela iniciativa privada e por entidades do terceiro setor - ONGs, institutos ou associações sem fins lucrativos - vêm ajudando a reverter essa situação. Entre elas, o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), um conjunto de projetos, programas, atividades e eventos implementado pelo governo federal, com a participação da sociedade civil, que tem como objetivo levar a leitura para o dia-a-dia do brasileiro. Também contribuem as badaladas feiras literárias espalhadas pelo Brasil, como a Flip (Festa Literária Internacional de Parati, no Rio de Janeiro), o Literato (Encontro Literário do Tocantins) e a Feira do Livro de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Elas atraem milhares de visitantes todos os anos e mobilizam a mídia em torno da importância do livro.



Para Marisa Lajolo, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, cada uma dessas iniciativas é extremamente importante. Contudo, é fundamental que as políticas de incentivo à leitura se descolem da mera organização de feiras ou da criação de bibliotecas e salas de leitura. O mais urgente, segundo ela, é investir em material humano, com a formação de mediadores de leitura, professores e bibliotecários capazes de semear o prazer da leitura por todo o país. "Mediadores são os instrumentos mais eficientes para fazer da leitura uma prática social mais difundida e aproveitada."



À frente de uma verdadeira revolução silenciosa, que raramente vira notícia, projetos de incentivo à leitura como os que você conhecerá nas próximas páginas formam e multiplicam mediadores de leitura em todo o Brasil, muitas vezes atuando em regiões carentes e em localidades de difícil acesso. E mais: criam bibliotecas comunitárias, facilitam o acesso aos livros, promovem encontros com escritores... Enfim, transformam milhares de crianças, jovens e adultos em leitores - sempre com muito prazer.

Leitura para toda a escola

Ler todos os dias foi a chave para alfabetizar e formar uma comunidade "louca por livros"

Paula Nadal (paula.nadal@abril.com.br)



RECEITA QUE DEU CERTO
Com a equipe motivada e um projeto bem montado, a escola investiu em um espaço de leitura.


Em dezembro de 2005, quando Cláudia Zuppini Dal Corso e Silvana Aparecida Santana Tamassia foram chamadas para assumir o comando da EMEIEF Cata Preta, no município de Santo André, na Grande São Paulo, a situação era desanimadora. Setenta alunos tinham sido reprovados e 58,7% dos matriculados chegavam ao último ano do primeiro ciclo sem estarem alfabetizados. Para piorar, no fim de 2006 foi divulgado o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) da escola: apenas 3,9, ante à média da rede municipal de 4,8. Ambas já haviam trabalhado juntas em 2003 na EMEIEF Jardim das Maravilhas, também em Santo André, e, por formarem uma boa dupla de gestão, foram convidadas a resolver os problemas da Cata Preta. Hoje, por decisão da comunidade, a escola chama-se Carolina Maria de Jesus, nome de uma escritora que morava numa favela e cuja história se assemelha à dos moradores da região.

Assim que tomaram posse, as gestoras estabeleceram como meta alfabetizar todos os alunos de até 8 anos de idade e melhorar a linguagem escrita dos 1,2 mil estudantes com a implementação de um grande projeto de incentivo à leitura, o Programa Lendo e Aprendendo. Em meados de 2007, as duas receberam um reforço na equipe, o da assistente pedagógica Gilne Gardesani Fernandez, que contribuiu para melhorar ainda mais os resultados que já apareciam. Toda a comunidade foi envolvida: professores, funcionários, alunos e pais passaram a ter momentos diários de leitura e a escola ganhou novos espaços dedicados aos livros. Com o apoio da Secretaria Municipal de Educação e graças a uma parceria com a pasta de Cultura, Esporte e Lazer, a equipe investiu na formação dos professores. As atividades foram sistematizadas: diretora e coordenadora pedagógica montaram tabelas com as avaliações dos estudantes para discussão nas reuniões pedagógicas semanais e nos conselhos de ciclo. “O que fizemos foi pensar sempre em prol do aluno”, afirma Silvana. “O envolvimento da equipe diretiva permitiu que os resultados fossem efetivos”, observa Cláudia.



Gestoras Nota 10

Com os números animadores, Silvana Tamassia inscreveu o Lendo e Aprendendo no Prêmio Victor Civita – Educador Nota 10 e a Cata Preta foi a vencedora na categoria Escola, em 2007. O dinheiro da premiação se transformou numa nova biblioteca e duas professoras foram encarregadas da organização do espaço. Uma delas chegou a desenvolver um sistema eletrônico de cadastro e empréstimo de exemplares, o que facilitou o trabalho de todos.

Segundo Ana Amélia Inoue, selecionadora do Prêmio Victor Civita, o trabalho afinado entre direção e coordenação pedagógica foi fundamental para que o projeto funcionasse. “As gestoras detectaram que os alunos não sabiam ler e definiram o caminho, o que é exatamente o papel da equipe diretiva. Os planejamentos de aula deixaram de ser burocráticos e o envolvimento da comunidade escolar diminuiu a resistência ao programa”, afirma. Em 2008, os esforços foram recompensados: os alunos de 7 e 8 anos da Carolina Maria de Jesus dominavam leitura e escrita. O Ideb de 2007, divulgado no fim do ano passado, chegou a 4,9 – índice superior aos 4,3, que, segundo o projetado, a escola deveria atingir em 2009.



Este ano, o comando da Carolina Maria de Jesus mudou de mãos, mas a nova equipe rebatizou o projeto: Biblioteca Viva. Elizete Cristina Carnelós Buzeto, a atual diretora, conta que uma das propostas para 2009 é ampliar o acervo com livros sem texto para a Educação Infantil, infanto-juvenis para o segundo ciclo do Ensino Fundamental e crônicas e cordel para a Educação de Jovens e Adultos. Já foram organizados horários semanais em que os professores acompanham os alunos à biblioteca para que eles escolham os títulos que desejam levar para casa e no momento cultural destinado aos funcionários estão previstas leituras de gêneros diversos. “Em parceria com contadores profissionais, fazemos contação de história para alunos e funcionários e queremos estender essa atividade também para os pais”, diz Elizete.

A seguir, você conhece o projeto vencedor do Prêmio Victor Civita.

Lendo e Aprendendo



OBJETIVOS

• Gerais Estimular nos alunos o gosto pela leitura, ampliando o repertório para o trabalho de leitura e escrita, e envolver toda a organização escolar num projeto de leitura e escrita.

• Para a direção e a coordenação Promover a formação constante dos professores e estabelecer metas que pudessem ser atingidas por todo o grupo.

• Para os alunos Desenvolver o comportamento leitor e escritor para ampliar o repertório com vistas às produções escritas.

• Para os professores Ler diariamente para os alunos, possibilitar o acesso a diferentes materiais de leitura e a ações de estímulo ao comportamento leitor e realizar projetos didáticos de produção textual.

• Para os funcionários Ler diariamente e valorizar os espaços de leitura.

• Para os pais Participar de momentos de leitura com as crianças.

ANOS

Todos, com foco no 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental.



CONTEÚDOS

• Diferentes propósitos de leitura.

• Linguagem escrita e produção de texto.

• Produção de texto oral com destino escrito.

• Características de diferentes gêneros literários.



TEMPO

Três anos.

MATERIAL NECESSÁRIO

Livros literários e informativos de qualidade, fantoches, malas de histórias, almofadas, mesas e armários para a organização do acervo.



DESENVOLVIMENTO

1ª ETAPA Reconhecimento e planejamento

O programa começou com as gestoras analisando as necessidades da escola com base nos registros de avaliação dos anos anteriores, em questionários respondidos pelos professores e em avaliações escritas feitas pelos alunos do primeiro ciclo. Em três meses, o novo projeto pedagógico foi elaborado, com metas simples de ser cumpridas – como ler em voz alta para alunos e funcionários todos os dias, fazer com que os alunos lessem um livro por semana, estimular o reconto das histórias lidas em sala de aula, organizar atividades individuais e coletivas de produção escrita, estruturar um projeto coletivo de produção de um livro.



2ª ETAPA Novas propostas de formação

Com o projeto pedagógico em mãos, a equipe gestora organizou a formação para os professores em encontros semanais de uma hora, mais uma reunião de quatro horas a cada dois meses. Nos primeiros, eram abordados temas que surgiam nas avaliações, como hipóteses de leitura e escrita, o que os alunos aprendem quando o professor lê para eles ou quando leem sozinhos, produção e revisão de texto, ortografia e pontuação. Nas análises bimestrais, eram expostas e discutidas teorias e apresentadas novas atividades para a sala de aula. Tudo isso fez com que os envolvidos passassem a considerar importante a leitura dentro e fora da escola.



3ª ETAPA Envolvimento da comunidade

Os pais foram convidados a conhecer o projeto e incentivados a ler para os filhos ainda não alfabetizados ou a pedir que as crianças maiores recontassem as histórias lidas na escola. Com o tempo, pais e mães que levavam os filhos para a aula tiveram a ideia de ler para eles enquanto aguardavam o ônibus ou durante o trajeto. Os funcionários não ficaram de fora: diariamente, durante 30 minutos, o pessoal de limpeza, administração, cozinha e manutenção interrompia suas atividades para ouvir romances, contos e crônicas lidos por alguém da direção. Cláudia e Silvana selecionaram textos cujo enredo tivesse interesse para eles, como o livro Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus. No início de cada reunião pedagógica, os professores ouviam a diretora ou a coordenadora pedagógica ler textos e trechos de livros. Com o passar do tempo, cada professor ficou encarregado de escolher um livro, ler para os colegas um trecho e compartilhar com o grupo sua opinião.



4ª ETAPA Criação de espaços de leitura

Logo no começo, a equipe diretiva percebeu que, mesmo com um projeto pedagógico bem estruturado e pessoas motivadas, era preciso criar espaços apropriados para as novas atividades. Assim, os acervos distribuídos entre as classes foram organizados numa só sala equipada com mesas e armários. Para deixá-la mais atraente, almofadas, pufes e fantoches passaram a fazer parte da decoração. Acessar e escolher os livros se tornou mais fácil quando os exemplares foram catalogados por gênero e identificados com etiquetas coloridas. Uma funcionária, antes auxiliar de serviços gerais, recebeu capacitação e tornou-se a responsável pela biblioteca. Em 2008, a escola ganhou uma nova biblioteca, construída com o dinheiro recebido pelo Prêmio Victor Civita, e o atendimento passou a ser feito por três professoras de suporte.



5ª ETAPA Formação de parcerias

Apoio e parcerias com órgãos municipais e entidades do bairro ajudaram a manter os docentes em constante atualização e a ampliar a bagagem cultural dos alunos. Todos os professores do primeiro ciclo participaram do programa Ação Escrita, desenvolvido pela Secretaria de Educação de Santo André com base no Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, o Profa, do Ministério da Educação. Um dos principais resultados dessa capacitação foi a montagem de malas de histórias, com livros de gêneros literários específicos – ficção, contos de fadas, romances e histórias de terror – para percorrer as salas de aula e ampliar o repertório das crianças. A Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Lazer também oferecia, a cada dois meses, uma contação de histórias com um profissional, na biblioteca da escola e aberta a toda a comunidade. As gestoras contaram ainda com a atuação do Conselho Tutelar, que foi à casa dos estudantes e, em apenas um semestre, conseguiu fazer com que 150 dos 400 faltosos voltassem a frequentar as aulas. As crianças foram incentivadas pela direção a participar de oficinas culturais no contraturno e de treinamentos esportivos graças a uma parceria com um centro comunitário vizinho.



6ª ETAPA O papel da equipe diretiva

A equipe gestora acompanhou de perto todos os programas desenvolvidos e fez observações nos registros entregues todas as semanas pelos professores. À coordenação pedagógica, coube ainda o planejamento das reuniões com os professores – semanais, bimestrais e anuais – e a criação de um grupo de discussão na internet para discutir e avaliar avanços e problemas.



AVALIAÇÃO

Todas as atividades de leitura e escrita realizadas na escola foram registradas pelos professores. Cláudia e Silvana tabularam esses dados em planilhas subdivididas por itens de avaliação. Nos exercícios de produção de texto, eram observadas a pontuação, a ortografia, a organização do enredo, as características do gênero proposto e a sequência temporal. Para os menores que ainda não eram alfabetizados, a avaliação se dava por meio de um ditado com a finalidade de verificar se a criança avançava no conhecimento sobre o sistema de escrita. As planilhas eram detalhadamente analisadas nas reuniões pedagógicas, assim como os avanços e as dificuldades de cada agrupamento de alunos, para planejar em conjunto o desenvolvimento de novas atividades e os programas de formação dos docentes. Ao fim de cada semestre, a escola promovia uma grande avaliação coletiva de leitura e escrita com todos os alunos do Ensino Fundamental. Os textos produzidos pelas turmas se transformaram nos capítulos de um livro coletivo.

Quer saber mais?

CONTATOS

Cláudia Zuppini, clauzuppi@yahoo.com.br

EMEIEF Carolina Maria de Jesus, Estr. Cata Preta, 810, 09170-000, Santo André, SP,

tel. (11) 4455-5297

Silvana Tamassia, silvanatamassia@yahoo.com.br

segunda-feira, 26 de abril de 2010

ATIVIDADES COLABORATIVAS

Atividades colaborativas melhoram o aprendizado indivudual e coletivo


Atividades colaborativas na escola levam à melhoria da aprendizagem individual e dos grupos em geral

Catarina Iavelberg (gestao@atleitor.com.br)



"A investigação de como coletivos de pessoas aprendem traz contribuições significativas à gestão escolar."

Como o aluno aprende mais? Fazendo atividades sozinho ou interagindo com os colegas? Há algum tempo sabe-se que o desenvolvimento cognitivo pode ser mais efetivo quando a criança e o adulto estão inseridos em um contexto coletivo de aprendizagem. Por isso, cabe à escola buscar ações para ampliar os horizontes do aluno e daqueles que fazem parte de seu universo. Sendo assim, as chamadas aprendizagens cooperativas surgem como grandes incentivadoras da autorregulação e do autoconhecimento. Descobri-las e elaborá-las deve ser a meta de todo os educadores.

No início do século 20, o psicólogo russo Lev Vygotsky (1896-1934) criou o conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), definindo-o como "a distância entre o nível de desenvolvimento real, determinado pela resolução independente de problemas, e o nível superior de desenvolvimento potencial, determinado pela resolução de problemas sob orientação de um adulto ou em colaboração com pares mais capazes". Com base nesse princípio, ele escreveu que aquilo que um aluno é capaz de realizar em colaboração com um colega é mais revelador de seu desenvolvimento pessoal do que seu desempenho avaliado isoladamente - um convite para se focar no potencial e não apenas no rendimento em trabalhos individuais.

Autores contemporâneos, seguidores de Vygotsky, indicam que a ZDP pode ser compreendida também como uma aprendizagem para grupos e isso tem contribuído para a descoberta e o planejamento de contextos coletivos de aprendizagem em que há o engajamento ativo de uma coletividade na descoberta de novos meios para resolver problemas. Na escola, é possível trabalhar a ZDP de vários coletivos: das turmas, das famílias e dos professores, sempre que há uma atividade envolvendo a negociação entre parceiros com diferentes competências. Experiências de aprendizagens colaborativas entre alunos com habilidades diversas, entre eles e seus familiares e professores e mesmo entre docentes promovem o desenvolvimento de toda a comunidade escolar.

A investigação de como coletivos de pessoas aprendem traz contribuições significativas à gestão escolar. A orientação educacional pode atuar nesse campo se perguntando: qual o sentido do conhecimento para a comunidade escolar? Como o conhecimento circula e é transmitido no interior dos grupos? Os papéis executados pelos alunos em contextos de aprendizagem coletivos se modificam ou são estáticos? Que características dos coletivos (virtuais e físicos) se desenvolvem de forma mais eficiente e autônoma? Descobrir o uso que os alunos fazem da internet para se comunicar, por exemplo, pode ajudar a escola a formular ações educativas no espaço virtual, tão familiar aos jovens.


A busca por essas respostas contribui para o desenvolvimento do aluno. Assim como Vygotsky, entendemos por desenvolvimento a liberdade, a criação, a ampliação de horizontes e a capacidade de refletir e transformar. Em tempos marcados por metas individuais de desempenho, uma concepção coletiva da ZDP se torna ainda mais atraente para aqueles que acreditam nos contextos coletivos de aprendizagem.

Catarina Iavelberg

É assessora psicoeducacional especializada em Psicologia da Educação.

Lev Vygotsky - O teórico do ensino como processo social


A obra do psicólogo ressalta o papel da escola no desenvolvimento mental das crianças e é uma das mais estudadas pela pedagogia contemporânea

Márcio Ferrari (Márcio Ferrari)

O psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky (1896-1934) morreu há 74 anos, mas sua obra ainda está em pleno processo de descoberta e debate em vários pontos do mundo, incluindo o Brasil. "Ele foi um pensador complexo e tocou em muitos pontos nevrálgicos da pedagogia contemporânea", diz Teresa Rego, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Ela ressalta, como exemplo, os pontos de contato entre os estudos de Vygotsky sobre a linguagem escrita e o trabalho da argentina Emilia Ferreiro, a mais influente dos educadores vivos.

A parte mais conhecida da extensa obra produzida por Vygotsky em seu curto tempo de vida converge para o tema da criação da cultura. Aos educadores interessa em particular

os estudos sobre desenvolvimento intelectual. Vygotsky atribuía um papel preponderante às relações sociais nesse processo, tanto que a corrente pedagógica que se originou de seu pensamento é chamada de socioconstrutivismo ou sociointeracionismo.

Surge da ênfase no social uma oposição teórica em relação ao biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), que também se dedicou ao tema da evolução da capacidade de aquisição de conhecimento pelo ser humano e chegou a conclusões que atribuem bem mais importância aos processos internos do que aos interpessoais. Vygotsky, que, embora discordasse de Piaget, admirava seu trabalho, publicou críticas ao suíço em 1932. Piaget só tomaria contato com elas nos anos 1960 e lamentou não ter podido conhecer Vygotsky em vida. Muitos estudiosos acreditam que é possível conciliar as obras dos dois.



Biografia



Lev Semenovitch Vygotsky nasceu em 1896 em Orsha, pequena cidade perto de Minsk, a capital da Bielo-Rússia, região então dominada pela Rússia (e que só se tornou independente em 1991, com a desintegração da União Soviética, adotando o nome de Belarus). Seus pais eram de uma família judaica culta e com boas condições econômicas, o que permitiu a Vygotsky uma formação sólida desde criança. Ele teve um tutor particular até entrar no curso secundário e se dedicou desde cedo a muitas leituras. Aos 18 anos, matriculou-se no curso de medicina em Moscou, mas acabou cursando a faculdade de direito. Formado, voltou a Gomel, na Bielo-Rússia, em 1917, ano da revolução bolchevique, que ele apoiou. Lecionou literatura, estética e história da arte e fundou um laboratório de psicologia – área em que rapidamente ganhou destaque, graças a sua cultura enciclopédica, seu pensamento inovador e sua intensa atividade, tendo produzido mais de 200 trabalhos científicos. Em 1925, já sofrendo da tuberculose que o mataria em 1934, publicou A Psicologia da Arte, um estudo sobre Hamlet, de William Shakespeare, cuja origem é sua tese de mestrado.

Relação homem-ambiente



Os estudos de Vygotsky sobre aprendizado decorrem da compreensão do homem como um ser que se forma em contato com a sociedade. "Na ausência do outro, o homem não se constrói homem", escreveu o psicólogo. Ele rejeitava tanto as teorias inatistas, segundo as quais o ser humano já carrega ao nascer as características que desenvolverá ao longo da vida, quanto as empiristas e comportamentais, que vêem o ser humano como um produto dos estímulos externos. Para Vygotsky, a formação se dá numa relação dialética entre o sujeito e a sociedade a seu redor – ou seja, o homem modifica o ambiente e o ambiente modifica o homem. Essa relação não é passível de muita generalização; o que interessa para a teoria de Vygotsky é a interação que cada pessoa estabelece com determinado ambiente, a chamada experiência pessoalmente significativa.

Tempo de revolução

Em menos de 38 anos de vida, Vygotsky conheceu momentos políticos drasticamente diferentes, que tiveram forte influência em seu trabalho. Nascido sob o regime dos czares russos, Vygotsky acompanhou de perto, como estudante e intelectual, os acontecimentos que levaram à revolução comunista de 1917. O período que se seguiu foi marcado, entre outras coisas, por um clima de efervescência intelectual, com a abertura de espaço para as vanguardas artísticas e o pensamento inovador nas ciências, além de uma preocupação em promover políticas educacionais eficazes e abrangentes. Logo após a revolução, Vygotsky intensificou seus estudos sobre psicologia. Visitou comunidades rurais, onde pesquisou a relação entre nível de escolaridade e conhecimento e a influência das tradições no desenvolvimento cognitivo. Com a ascensão ao poder de Josef Stalin, em 1924, o ambiente cultural ficou cada vez mais limitado. Vygotsky usou a dialética marxista para sua teoria de aprendizado, mas sua análise da importância da esfera social no desenvolvimento intelectual era criticada por não se basear na luta de classes, como se tornara obrigatório na produção científica soviética. Em 1936, dois anos após sua morte, toda a obra de Vygotsky foi censurada pela ditadura de Stalin e assim permaneceu por 20 anos.

Segundo Vygotsky, apenas as funções psicológicas elementares se caracterizam como reflexos. Os processos psicológicos mais complexos – ou funções psicológicas superiores, que diferenciam os humanos dos outros animais – só se formam e se desenvolvem pelo aprendizado. Entre as funções complexas se encontram a consciência e o discernimento. "Uma criança nasce com as condições biológicas de falar, mas só desenvolverá a fala se aprender com os mais velhos da comunidade", diz Teresa Rego.

Outro conceito-chave de Vygotsky é a mediação. Segundo a teoria vygotskiana, toda relação do indivíduo com o mundo é feita por meio de instrumentos técnicos – como, por exemplo, as ferramentas agrícolas, que transformam a natureza – e da linguagem – que traz consigo conceitos consolidados da cultura à qual pertence o sujeito.



O papel do adulto



Todo aprendizado é necessariamente mediado – e isso torna o papel do ensino e do professor mais ativo e determinante do que o previsto por Piaget e outros pensadores da educação, para quem cabe à escola facilitar um processo que só pode ser conduzido pelo própria aluno. Segundo Vygotsky, ao contrário, o primeiro contato da criança com novas atividades, habilidades ou informações deve ter a participação de um adulto. Ao internalizar um procedimento, a criança "se apropria" dele, tornando-o voluntário e independente.

Expansão dos horizontes mentais

Como Piaget, Vygotsky não formulou uma teoria pedagógica, embora o pensamento do psicólogo bielo-russo, com sua ênfase no aprendizado, ressalte a importância da instituição escolar na formação do conhecimento. Para ele, a intervenção pedagógica provoca avanços que não ocorreriam espontaneamente. Ao formular o conceito de zona proximal, Vygotsky mostrou que o bom ensino é aquele que estimula a criança a atingir um nível de compreensão e habilidade que ainda não domina completamente, "puxando" dela um novo conhecimento. "Ensinar o que a criança já sabe desmotiva o aluno e ir além de sua capacidade é inútil", diz Teresa Rego. O psicólogo considerava ainda que todo aprendizado amplia o universo mental do aluno. O ensino de um novo conteúdo não se resume à aquisição de uma habilidade ou de um conjunto de informações, mas amplia as estruturas cognitivas da criança. Assim, por exemplo, com o domínio da escrita, o aluno adquire também capacidades de reflexão e controle do próprio funcionamento psicológico.

Desse modo, o aprendizado não se subordina totalmente ao desenvolvimento das estruturas intelectuais da criança, mas um se alimenta do outro, provocando saltos de nível de conhecimento. O ensino, para Vygotsky, deve se antecipar ao que o aluno ainda não sabe nem é capaz de aprender sozinho, porque, na relação entre aprendizado e desenvolvimento, o primeiro vem antes. É a isso que se refere um de seus principais conceitos, o de zona de desenvolvimento proximal, que seria a distância entre o desenvolvimento real de uma criança e aquilo que ela tem o potencial de aprender – potencial que é demonstrado pela capacidade de desenvolver uma competência com a ajuda de um adulto. Em outras palavras, a zona de desenvolvimento proximal é o caminho entre o que a criança consegue fazer sozinha e o que ela está perto de conseguir fazer sozinha. Saber identificar essas duas capacidades e trabalhar o percurso de cada aluno entre ambas são as duas principais habilidades que um professor precisa ter, segundo Vygotsky.

Para pensar



Vygotsky atribuiu muita importância ao papel do professor como impulsionador do desenvolvimento psíquico das crianças. A idéia de um maior desenvolvimento conforme um maior aprendizado não quer dizer, porém, que se deve apresentar uma quantidade enciclopédica de conteúdos aos alunos. O importante, para o pensador, é apresentar às crianças formas de pensamento, não sem antes detectar que condições elas têm de absorvê-las. E você? Já pensou em elaborar critérios para avaliar as habilidades que seus alunos já têm e aquelas que eles poderão adquirir? Percebe que certas atividades estimulam as crianças a pensar de um modo novo e que outras não despertam o mesmo entusiasmo?


Quer saber mais?

A Formação Social da Mente, Lev S. Vygotsky, 224 págs., Ed. Martins Fontes, tel. (11) 3241-3677, 39,80 reais

Vygotsky – Aprendizado e Desenvolvimento, Marta Kohl de Oliveira, 112 págs., Ed. Scipione, tel. 0800-161-700, 37,90 reais

Vygotsky – Uma Perspectiva Histórico-Cultural da Educação, Teresa Cristina Rego, 140 págs., Ed. Vozes, tel. (24) 2246-5552, 20 reais

Vygotsky – Uma Síntese, René van der Veer e Jaan Valsiner, 480 págs., Ed. Loyola, tel. (11) 6914-1922, 70,70 reais

http://www.revistaescola/



sexta-feira, 23 de abril de 2010

Alfabetizar é pra toda vida

Alfabetizar é todo dia


O professor deve planejar com antecedência e constantemente as atividades de leitura e escrita. Por isso, manter-se atualizado com as novas pesquisas didáticas é essencial

Thales de Menezes (novaescola@atleitor.com.br)

Colaborou Nina Pavan. Leitoras que sugeriram o especial: Rosany Dutra, Timóteo, MG, e Magda Cecília Arantes de Carvalho, Itapevi, SP

Alfabetizar todos os alunos nas séries iniciais tem implicações em todo o desenvolvimento deles nos anos seguintes. Segundo a educadora Telma Weisz, supervisora do Programa Ler e Escrever, da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, "a leitura e a escrita são o conteúdo central da escola e têm a função de incorporar a criança à cultura do grupo em que ela vive". Por isso, o desafio requer trabalho planejado, constante e diário, conhecimento sobre as teorias e atualização em relação a pesquisas sobre as didáticas específicas.

Esta edição especial traz o que há de mais consistente na área. Hoje se sabe que as crianças constroem simultaneamente conhecimentos sobre a escrita e a linguagem que se escreve. Conhecer as políticas públicas de Educação no país e seus instrumentos de avaliação é um meio de direcionar o trabalho. Um exemplo é a Provinha Brasil, que avalia se as crianças dominam a escrita e também seus usos e funções. Para a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Maria do Pilar Lacerda e Silva, o grande mérito do teste de avaliação que mede as competências das crianças na fase inicial de alfabetização é fornecer instrumentos para o professor interpretar os resultados, além de sugerir práticas pedagógicas eficazes para alcançá-los. "É um material que ajuda o professor na reflexão porque nenhuma avaliação serve para nada quando se limita a constatar. Ela só faz sentido para mudar práticas e identificar as dificuldades de cada aluno.”

E não há tempo a perder. No início do ano, como agora, a tarefa essencial é descobrir quais as hipóteses de escrita das crianças, mesmo antes que saibam ler e escrever convencionalmente (leia mais sobre como fazer um bom diagnóstico). Assim, fica mais fácil acompanhar, durante o ano, a evolução individual para planejar as intervenções necessárias que permitam que todos efetivamente avancem. Essa sondagem inicial influi na distribuição da turma em grupos produtivos de trabalho, como mostra a reportagem Parceiros em Ação.

Da mesma forma, organizar a rotina é imprescindível. Uma distribuição de atividades deve ser estabelecida com antecedência, contemplando trabalhos diários, sequências com prazos determinados e projetos que durem várias semanas ou meses (confira dicas preciosas sobre o planejamento). Ao montar essa programação, cabe ao professor abrir espaço para as quatro situações didáticas que, segundo as pesquisas, são essenciais para o sucesso na alfabetização: ler para os alunos, fazer com que eles leiam mesmo antes de saber ler, assumir a função de escriba para textos que a turma produz oralmente e promover situações que permitam a cada um deles escrever até que todos dominem de fato o sistema de escrita. Nesta edição, você encontra as bases teóricas e casos reais de professoras que obtiveram sucesso ao desenvolver cada uma das situações (com sugestões detalhadas de atividades).

Sabe-se, já há algum tempo, que as crianças começam a pensar na escrita muito antes de ingressar na escola. Por isso, precisam ter a oportunidade de colocar em prática esse saber, o que deve ser feito em atividades que estimulem a reflexão sobre o sistema alfabético.

No livro Aprender a Ler e a Escrever, as educadoras Ana Teberosky e Teresa Colomer apontam que o desenvolvimento do aluno se dá “por reconstruções de conhecimentos anteriores, que dão lugar a novos saberes”. Essa condição está presente nos 12 planos de aula deste especial. Em todos, transparece a necessidade de abrir espaço para que a turma debata o que produz, permitindo que a reflexão leve a avanços nas hipóteses iniciais de cada estudante.

É fundamental levar para a escola as muitas fontes de texto que nos cercam no cotidiano, como livros, revistas, jornais, gibis, enciclopédias etc. Variedade é realmente fundamental para os alfabetizadores, que devem ainda abordar todos os gêneros de escrita (textos informativos, listas, contos e muito mais). E, nas atividades de produção de texto, a intervenção do professor é vital para negociar a passagem da linguagem oral, mais informal, à linguagem escrita.

O número do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), de 2007, mostra que só 28% da população brasileira está na condição de alfabetizados plenos. Para impedir que mais pessoas fiquem restritas a compreender apenas enunciados simples, o desempenho escolar nos anos iniciais precisa de resultados melhores. Essa preocupação deve ser compartilhada por professores e órgãos públicos. “O governo está fazendo uma intervenção específica nas séries iniciais para ter resultados rapidamente, com dois docentes por sala, material didático de apoio, formação continuada e avaliação bimestral”, afirma Maria Helena Guimarães de Castro, secretária estadual de Educação de São Paulo.

As principais redes de ensino do país, como a estadual e a municipal de São Paulo, trabalham com a meta de alfabetizar as turmas em no máximo dois anos. Para garantir que essas expectativas de aprendizagem sejam atingidas, é preciso um compromisso dos coordenadores pedagógicos em utilizar os horários de trabalho coletivo para afinar a capacitação das equipes. “Pesquisas, debates e orientações curriculares têm de ser incentivados”, sugere Célia Maria Carolino Pires, que coordenou em 2008 o Programa de Orientações Curriculares da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

Nas próximas páginas, você confere uma lista, adaptada por NOVA ESCOLA, de expectativas de aprendizagem em Língua Portuguesa para o 1º e o 2º ano da rede municipal paulistana. Com base nela, você pode adequar suas propostas de trabalho e fazer com que, em 2009, nenhum aluno da turma fique para trás. Pois superar os desafios da alfabetização é apenas o primeiro passo para que todos tenham uma vida escolar cheia de aprendizagens cada vez mais significativas.

Telma Weisz: A saída é a formação do professor alfabetizador




Foto: Rogerio Albuquerque

Para desenvolver este artigo, parto de dois pressupostos. Primeiro: o que garante a qualidade da Educação que acontece de fato nas escolas é, sobretudo, a qualidade do trabalho profissional dos professores. O segundo: a qualidade do trabalho profissional dos professores tem dependido essencialmente da formação em serviço, pois a inicial tem se mostrado inadequada e insuficiente.

Diante disso, me concentro numa questão: a competência da escola pública brasileira para produzir cidadãos plenamente alfabetizados, requisito mínimo para falar em Educação de qualidade. É preciso admitir que nossa incapacidade para ensinar a ler e a escrever tem sido responsável por um verdadeiro genocídio intelectual.

A existência de um fracasso maciço, o fato de ele ter sido tratado como natural até poucos anos atrás e a fraca evolução desse quadro em 40 anos comprovam como vem sendo penoso ensinar os brasileiros que dependem da rede pública. Pesquisas de campo mostram a enorme dificuldade que os educadores têm para avaliar o que os alunos já sabem e o que eles não sabem. Aqueles que produzem escritas silábico-alfabéticas e alfabéticas na 1ª série e que teriam condições de acompanhar a 2ª série – pois podem ler e escrever, ainda que com precariedade – são retidos. Por outro lado, os bons copistas e os que têm letra bonita ou caderno bem feito são promovidos.

Quando se trabalha com esse tipo de indicador, até avanços na aprendizagem acabam sendo prejudiciais. Muitas crianças que aprendem a ler começam a “errar” na cópia. Elas deixam de copiar letra por letra e passam a ler e escrever blocos de palavras, em geral unidades de sentido. Isso faz com que cometam erros de ortografia ou unam palavras. O que indicaria progresso é interpretado como regressão, pois, por incrível que pareça, nem sempre o professor sabe a diferença entre copiar e escrever.

Essa é uma dificuldade de avaliação comum nos quatro cantos do país e que explica em grande parte por que muitos alunos de 4ª série não leem e não entendem um texto simples. Eles costumam ser os que terminam a 1ª série sem saber ler ou lendo precariamente. Nas séries seguintes, passam o tempo copiando a matéria do quadro-negro ou do livro didático. Ao serem perguntados sobre o que fariam para melhorar a qualidade da leitura e do texto produzido por esses estudantes, os profissionais que lecionam para a 2ª, 3ª ou 4ª série costumam dizer que não há o que fazer, já que eles foram mal alfabetizados e, além disso, as famílias não ajudam.

Nos últimos 25 anos, estive envolvida com programas de formação docente em serviço em todos os níveis possíveis: desde a implantação de uma unidade educacional até a formação em nível nacional. Essa experiência me dá condições de afirmar que não existem soluções mágicas para resolver em pouco tempo os problemas da escola brasileira. A qualidade da Educação - e especificamente da alfabetização - só melhorará quando as políticas educacionais forem um projeto de Estado e não de governo.

TELMA WEISZ é supervisora do Programa Ler e Escrever, da Secretaria Estadual da Educação de São Paulo

Expectativas de aprendizagem para o 1º ano


COMUNICAÇÃO ORAL

• Fazer intercâmbio oral, ouvindo com atenção e formulando perguntas.

• Mostrar interesse por ouvir e expressar sentimentos, experiências, ideias e opiniões.

• Recontar histórias de repetição e/ou acumulativas com base em narrações ou livros.

• Conhecer e recontar um repertório variado de textos literários, preservando os elementos da linguagem escrita.

LEITURA

• Ouvir com atenção textos lidos.

• Refletir sobre o sistema alfabético com base na leitura de nomes próprios, rótulos de produtos e outros materiais - listas, calendários, cantigas e títulos de histórias, por exemplo -, sendo capaz de se guiar pelo contexto, antecipar e verificar o que está escrito.

• Ler textos conhecidos de memória, como parlendas, adivinhas, quadrinhas e canções, de maneira a descobrir o que está escrito em diferentes trechos do texto, fazendo o ajuste do falado ao que está escrito e o uso do conhecimento que possuem sobre o sistema de escrita.

• Buscar e considerar indícios no texto que permitam verificar as antecipações realizadas para confirmar, corrigir, ajustar ou escolher entre várias possibilidades.

• Confrontar ideias, opiniões e interpretações, comentando e recomendando leituras, entre outras possibilidades.

• Relacionar texto e imagem ao antecipar sentidos na leitura de quadrinhos, tirinhas e revistas de heróis.

• Inferir o conteúdo de um texto antes de fazer a leitura com base em título, imagens, diagramação e informações contidas na capa, contracapa ou índice (no caso de livros e revistas).



ESCRITA E PRODUÇÃO TEXTUAL

• Conhecer as representações das letras maiúsculas do alfabeto de imprensa e a ordem alfabética.

• Escrever o próprio nome e utilizá-lo como referência para a escrita.

• Produzir texto de memória de acordo com sua hipótese de escrita.

• Escrever usando a hipótese silábica, com ou sem valor sonoro convencional.

• Reescrever histórias conhecidas - ditando para o professor ou para os colegas e, quando possível, de próprio punho -, considerando as ideias principais do texto-fonte e algumas características da linguagem escrita.

• Produzir escritos de autoria (bilhetes, cartas, instrucionais).



Baseadas nas expectativas de aprendizagem em Língua Portuguesa da rede municipal de São Paulo



Expectativas de aprendizagem para o 2º ano



COMUNICAÇÃO ORAL

• Participar de situações de intercâmbio oral, ouvindo com atenção e formulando perguntas sobre o tema tratado.

• Ouvir com atenção crescente a opinião dos colegas, expressar suas ideias, relacioná-las ao tema e fazer perguntas sobre os assuntos abordados.

• Aprender a respeitar modos de falar diferentes do seu.

• Recontar histórias conhecidas, recuperando características da linguagem do texto original.

• Aprender a falar de maneira mais formal e, assim, se preparar para se comunicar em situações como entrevistas, saraus, recitais, cantorias e seminários, entre outras.



LEITURA

• Apreciar textos literários.

• Compreender a natureza do sistema de escrita e ler por si mesmo textos conhecidos.

• Com a ajuda do professor, ler diferentes gêneros (literários, instrucionais, de divulgação científica, notícias), apoiando-se em conhecimentos sobre tema, características do portador, gênero e sistema de escrita.

• Ler, por si mesmo, textos conhecidos, como parlendas, adivinhas, poemas, canções e trava-línguas, além de placas de identificação, listas, manchetes de jornal, legendas, quadrinhos e rótulos.

• Colocar em ação diferentes modalidades de leitura em função do texto e dos propósitos da leitura (ler para buscar uma informação, para se entreter, para compreender etc.).

• Coordenar a informação presente no texto com as informações oriundas das imagens que o ilustram (por exemplo, nos contos, nas histórias em quadrinhos, em cartazes, em textos esportivos e nas notícias de jornal).

• Ampliar suas competências leitoras: ler rapidamente títulos e subtítulos até encontrar uma informação, selecionar uma informação precisa, ler minuciosamente para executar uma tarefa, reler um trecho para retomar uma informação ou apreciar aquilo que está escrito.

• Analisar textos impressos utilizados como referência ou modelo para conhecer e apreciar a linguagem usada ao escrever (como os autores descrevem um personagem, como resolvem os diálogos, evitam repetições, fazem uso da letra maiúscula, da pontuação).



ESCRITA E PRODUÇÃO TEXTUAL

• Escrever alfabeticamente, ainda que com erros ortográficos (ausência de marcas de nasalização, hipo e hipersegmentação, entre outros).

• Reescrever histórias conhecidas, ditando-as ou de próprio punho.

• Produzir textos simples de autoria.

• Revisar textos coletivamente, com ajuda do professor e dos colegas, para melhorá-los e, assim, compreender a revisão como parte do processo de produção.

• Aprender a se preocupar com a qualidade de suas produções escritas, no que se refere tanto aos aspectos textuais como à apresentação gráfica.



Baseadas nas expectativas de aprendizagem em Língua Portuguesa da rede municipal de São Paulo





Resenhas de Emília Ferreiro

Resenha e trecho do livro "Passado e presente dos verbos ler e escrever", de Emilia Ferreiro


Bruna Nicolielo (bruna.nicolielo@abril.com.br). Com resenhas de Nina Pavan

A obra Passado e Presente dos Verbos Ler e Escrever (96 págs., Ed. Cortez, tel. 11/3611-9616), de Emilia Ferreiro, conduz o leitor a uma reflexão sobre as práticas de leitura e escrita e a importância da diversidade no processo de alfabetização. O livro reúne trabalhos apresentados em congressos pela autora, psicolinguista que se doutorou na Universidade de Genebra sob a orientação de Jean Piaget (1896-1980), a cujo trabalho ela deu continuidade. No primeiro texto, Emilia Ferreiro faz um breve panorama da leitura e da escrita na história da humanidade e analisa os efeitos das circunstâncias históricas e temporais na construção de novos significados para os verbos citados no título da obra. No segundo, ela aborda problematizações sobre o futuro da leitura tendo como base a compreensão do passado. Nesse sentido, a autora coloca em discussão a construção de leitores e produtores de textos num mundo em constante transformação, que conta cada vez mais com as novas tecnologias de comunicação. Essas mudanças traçam novos cenários para a Educação e os profissionais envolvidos com as práticas de leitura e escrita devem se questionar sobre isso. Afinal, evoluções como essa nem sempre dialogam com as práticas dos educadores. Nessa relação entre passado e futuro, o leitor é convidado a refletir sobre a história da leitura a partir da Idade Média e sobre a importância de envolver as crianças desde cedo com vários tipos de texto. Alguns exemplos de escritores em potencial mostram como eles são capazes de enfrentar desafios quando têm acesso à diversidade de textos e são colocados no papel de produtores de cultura.
O último texto do livro tem como focos de reflexão a diversidade no processo de alfabetização e o papel da escola no enfrentamento das diferenças e no respeito a elas. Essa heterogeneidade, que muitos educadores encaram como uma dificuldade, é tratada pela autora como uma vantagem pedagógica se for compreendida pela escola, que deve investir em instrumentos didáticos para trabalhá-la.

A leitura é uma viagem pelo tempo dos verbos ler e escrever e um convite à reflexão, já que a obra abre caminhos para a qualidade da aprendizagem e para a atuação reflexiva daqueles que se comprometem em transformar as práticas de leitura e escrita.

Clélia Cortez, autora desta resenha, é pedagoga, formadora de professores e consultora do Programa Formar em Rede, do Instituto Avisa Lá, em São Paulo.



Resenha do livro "Reflexões sobre a alfabetização", de Emília Ferreiro

Lançado em 1981, este livro é um dos melhores materiais para quem quer iniciar o estudo a respeito da psicogênese da língua escrita

Beatriz Vichessi (bvichessi@abril.com.br)

A investigação acadêmica organizada por Emilia Ferreiro a respeito da alfabetização, iniciada em 1979, revolucionou o jeito de ensinar as crianças a ler e escrever e fez da autora uma referência mundial sobre o tema.
O livro Reflexões sobre Alfabetização (104 págs., Ed. Cortez, tel. 11/3864-0111, 15 reais), lançado em 1981, é um dos melhores materiais concebidos pela educadora argentina para quem quer iniciar o estudo das pesquisas realizadas por ela a respeito da psicogênese da língua escrita. Trata-se da síntese das principais contribuições de Emilia para a história e as descobertas sobre a alfabetização.
Porém é importante que o leitor passeie pelas refl exões propostas no texto com olhos e pensamento atentos, pois irá deparar-se com saberes infantis sofi sticados e engenhosos, que surpreendem muito ao mostrar quão originais (e nem um pouco mecânicas) são as construções cognitivas que os pequenos são capazes de realizar.
O texto instiga o educador e dá subsídios para que ele questione sua prática e revitalize o modo de compreender o ensino, inaugurando uma maneira inédita de alfabetizar: a autora transfere a investigação do jeito de ensinar para o que tem de ser aprendido, com foco nas concepções que as crianças têm sobre o sistema de escrita, e prioriza a análise das produções infantis.

Mergulhar nas informações sobre a pré-história das elaborações infantis a respeito das marcas da linguagem expressas no mundo que nos rodeia acende uma luz defi nitiva sobre a alfabetização: diante de construções tão inteligentes, somos convidados a construir uma escola igualmente inteligente! E, ao sabermos o que as crianças pensam e como pensam, permitimos que sejam abertos novos caminhos: torna-se um compromisso inadiável entender cada vez mais e melhor como esses processos funcionam para planejar as aulas de alfabetização.

Trecho do livro

"Temos uma imagem empobrecida da língua escrita: é preciso reintroduzir, quando consideramos a alfabetização, a escrita como sistema de representação da linguagem. Temos uma imagem empobrecida da criança que aprende: a reduzimos a um par de olhos, um par de ouvidos, uma mão que pega um instrumento para marcar e um aparelho fonador que emite sons. Atrás disso há um sujeito cognoscente, alguém que pensa, que constrói interpretações, que age sobre o real para fazê-lo seu. Um novo método não resolve os problemas. É preciso reanalisar as práticas de introdução da língua escrita, tratando de ver os pressupostos subjacentes a elas, e até que ponto funcionam como fi ltros de transformação seletiva e deformante de qualquer proposta inovadora. Os testes de prontidão também não são neutros. (...) É sufi ciente apontar que a 'prontidão' que tais testes dizem avaliar é uma noção tão pouco científi ca como a 'inteligência' que outros pretendem medir."

Por que ler

- Aproxima o leitor da pesquisa que representou uma revolução conceitual na alfabetização, colocando o foco naquele que aprende.

- Apresenta o percurso pelo qual as crianças elaboram suas próprias idéias sobre o sistema de escrita.

- Fornece elementos para compreender por que a escola tem formado analfabetos funcionais.

- Expõe exemplos de como se dá o pensamento infantil sobre o sistema de escrita, demonstrando a originalidade e a provisoriedade dessas concepções.

- Convida o educador à consciência da dimensão política da alfabetização, entendida como ferramenta de construção de cidadania.



Teatro e imaginação na pré-escola

Jogos teatrais permitem que as crianças aprendam e desenvolvam a linguagem corporal


Ana Rita Martins (ana.martins@abril.com.br)

A capacidade de fazer de conta é uma das características mais relevantes da infância, pois está diretamente ligada ao desenvolvimento intelectual e físico dos pequenos. Quando imagina que é um policial à procura de um bandido, a criança elabora respostas às distintas situações que surgem e, ao pôr em prática seu personagem, estabelece movimentos que ampliam a consciência e a expressão corporais. Por isso, os jogos teatrais são uma ótima maneira de desenvolver a relação da criança com o próprio corpo, com o do outro e com o espaço. Eles são jogos de construção em que a consciência do "como se" é trabalhada de forma gradativa em direção à articulação da linguagem artística teatral. "No processo de construção dessa linguagem, a criança estabelece com seus pares uma relação de trabalho, combinando a imaginação dramática com a prática e a consciência na observação das regras", explica Ingrid Dormien, que leciona Teatro Aplicado à Educação na Universidade de São Paulo (USP) e é coordenadora de projetos da Escola de Educadores.

Descobrindo novas possibilidades corporais

O jogo teatral gira em torno de três elementos: onde se passa a cena, quem faz parte dela e qual ação se desenvolve. O professor deve dividir a turma em grupos e propor que cada um decida o que apresentar à plateia - sem o uso de falas nem de objetos cênicos. Exemplo: se escolhem explorar o fundo do mar, as crianças têm de interagir com criaturas e plantas marinhas imaginárias, deixando claros os três elementos básicos.

Ingrid diz que a intervenção docente pode e deve ocorrer durante a cena. "Se o professor perceber que os gestos não são muito claros, pode instruir os pequenos a repeti-los em câmera lenta. Os jogos teatrais abrem possibilidades infinitas de trabalhar a expressividade corporal", afirma. Durante a ação, deve-se atentar também o uso do espaço e de que forma se dá a interação.

Com base no que foi observado, é necessário fazer propostas que representem desafios e incentivem todos a buscar novas possibilidades de expressão. Se um grupo escolheu um espaço pequeno e interagiu pouco, por exemplo, no jogo seguinte o professor pode estabelecer que, independentemente da situação, os objetos utilizados em cena terão de passar pela mão de todos e a área precisa ser ampla.

Dando os primeiros passos na linguagem teatral


O CORPO E A MENTE As crianças precisam demonstrar onde estão, quem são e o que estão fazendo sem falar nada

Os próprios jogos apresentam três elementos básicos da linguagem teatral, já que onde a cena se passa nada mais é do que o cenário, quem a desenvolve são os personagens e o que representa a ação dramática. Só quando as crianças aprendem a construir de maneira coletiva esses elementos e os colocam em prática é que eles devem ser apresentados formalmente. Para enriquecer o repertório, é fundamental a apreciação de peças teatrais e uma reflexão sobre elas, assim como das cenas feitas em sala.

Cristina Aparecida Rastelli de Brito, professora de Educação Infantil na Creche Lar Jane Suzana, em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, sabe o valor das rodas de conversa logo após as encenações. Na roda, ela lança perguntas para avaliar se a plateia conseguiu perceber onde se passava a ação, quem fazia parte dela e o que foi apresentado. Esses dados são úteis para verificar as dificuldades e os progressos feitos pelo grupo. "Se as crianças, por exemplo, acharam que o mar, ambiente em que o esquete se passou, era o espaço sideral, eu pergunto por que e, com base nisso, discutimos os movimentos que levaram a tais conclusões. Com isso, o grupo fica mais consciente de como suas opções comunicativas são interpretadas", conta.

Vale frisar que o propósito do trabalho com os jogos teatrais não é julgar o valor artístico das atuações. O que vale é perceber como cada um busca soluções diante dos desafios e expande suas possibilidades de comunicação via linguagem corporal. Com a prática e observando os colegas, todos aprendem a usar o corpo de forma mais consciente e criativa.

Reportagem sugerida por uma leitora: Leila Pauli Antes, Joinville, SC


http://revistaescola.abril.com.br/




Como organizar a rotina em creches e pré-escolas

Propostas simultâneas otimizam o dia a dia das crianças e evitam momentos de espera


Noêmia Lopes (gestao@atleitor.com.br)

Ambientes lotados, horários de entrada e saída conturbados e filas imensas no refeitório, no banheiro e no parque. Em uma escola de Educação Infantil, esses são alguns dos indícios de que a organização da rotina não vai bem. Uma das maneiras de solucionar esses problemas é propor atividades que ocorram simultaneamente - em espaços diferentes - e o escalonamento dos horários das turmas, dos funcionários e dos educadores.

"A gestão do tempo em Educação Infantil requer flexibilidade e planejamento constantes. A prioridade é o atendimento às crianças, com necessidades de cuidados e aprendizagem próprias, que devem ser sempre respeitadas", diz Ana Paula Yazbek, pedagoga e formadora de professores do Centro de Estudos da Escola da Vila, em São Paulo. Veja nesta reportagem como três gestoras repensaram a organização da escola, o escalonamento de atividades e os horários dos professores e funcionários.


Tempo bem planejado para desenvolver a autonomia

Como cada faixa etária requer uma dinâmica diferente, não cabe organizar uma rotina igual para todas as turmas. Crianças de até 3 anos, por exemplo, demandam mais atenção dos adultos - principalmente nos momentos de alimentação, higiene e descanso - do que os maiores.

Para que seja possível dar atenção aos cuidados pessoais e à aprendizagem, cabe aos gestores elaborar projetos institucionais para que o tempo seja usado a favor da garotada. Pensando nisso, a diretora Dorocleide Franco Faria de Brito, do CMEI Santa Efigênia, em Curitiba, optou pelo sistema de merenda self service para crianças a partir dos 3 anos, com o qual elas aprendem a almoçar sozinhas.

Nem sempre foi assim. "Antes, as crianças esperavam para serem servidas. O processo era mais prático, mas não oferecia nenhuma oportunidade para elas escolherem o que e quanto comer e desenvolver a habilidade de se servir. Ou seja, não adquiriam autonomia, um dos objetivos da Educação Infantil." No início, os funcionários resistiram um pouco. Afinal, para que o modelo funcionasse, era preciso exercitar a paciência e administrar melhor o tempo da merenda - que certamente seria mais longo.

A primeira barreira Dorocleide resolveu promovendo um trabalho de conscientização, explicando a todos que os mais novos só poderiam aprender por meio da prática (leia uma sugestão de pauta de reunião na última página). O segundo, mudando a rotina da merenda e criando um esquema de trabalho por grupos: em vez de todos ficarem na fila para receber a comida da merendeira, uma ou duas mesas por vez se dirigem ao balcão onde estão as travessas. As crianças são incentivadas a colocar no prato apenas os itens que serão consumidos, levá-lo à mesa sem ajuda e manusear os talheres. "O tempo de aprendizagem varia para cada um e, se não conseguimos resultados em um dia, tentaremos novamente nos dias seguintes. Se no início há mais demora, com o tempo os procedimentos são realizados com agilidade", afirma a diretora.

Na escola de Dorocleide, não existem problemas de espaço e há dois refeitórios, um para os mais novos e outro para os maiores. Porém os gestores que não dispõem de estrutura semelhante têm a opção de implantar um rodízio de horários para que as turmas não estejam no refeitório ao mesmo tempo e, com isso, seja possível dispensar a mesma atenção a todos. Em ambos os casos, é preciso implantar também o revezamento para o almoço dos educadores e professores, garantindo a assistência às crianças na hora da refeição. Esse planejamento é fundamental, pois, como explica Elza Corsi de Oliveira, formadora do Instituto Avisa Lá, de São Paulo, "quando as crianças comem, pelo menos uma parte da equipe deve estar disponível para ajudar no que for preciso".

O mesmo vale para o horário de descanso de professores e auxiliares. Eles não podem coincidir com os momentos de brincadeira da garotada. "Pensar que quando as turmas estão no parque ou no pátio é hora de descansar e relaxar é um engano que deve ser corrigido pelo gestor", diz Ana Paula. É justamente nesses momentos que os educadores precisam redobrar a atenção e o envolvimento com as crianças para suprir as demandas de espaço, tempo, material e, principalmente, segurança física e emocional.

Sugestão de pauta de reunião: Repensando a rotina

- Reserve pelo menos uma hora por semana para conversar com os educadores e a equipe de apoio sobre a organização do tempo e do espaço na escola. Para que a reunião seja produtiva, incentive todos a fazer anotações ao longo da semana sobre o andamento da rotina, como o tempo que as turmas levam para se alimentar (ou ser alimentadas, no caso dos menores) e quais estão deixando as fraldas e aprendendo usar o vaso sanitário.

- Comece pedindo que cada um conte ao grupo o que observou, abrindo espaço para a exposição de problemas e a sugestão de encaminhamentos. Aproveite para compartilhar os dados relativos à organização do tempo que foram transmitidos pelos professores durante os momentos de formação.

- Verifique se, nos horários planejados, há tempo para orientar as crianças em relação aos hábitos de higiene e alimentação, se as demandas de sono são respeitadas e se a escala de limpeza não está atrapalhando as atividades elaboradas pelos professores.

- Questione se os materiais pedagógicos têm sido preparados com antecedência, evitando esperas desnecessárias. Isso vale para fraldas, utensílios de higiene, comida, louças e talheres.

- Reforce que, de acordo com cada faixa etária, é importante reservar tempo para o desenvolvimento de autocuidados, como limpar-se depois de ir ao banheiro, alimentar-se sem ajuda e amarrar os próprios cadarços. Importante: lembre os educadores e funcionários de que ninguém deve agir com pressa, atropelando a criança e realizando as tarefas por ela.

- Registre as alterações de rotina propostas, combine a data do próximo encontro e comunique possíveis mudanças à equipe docente.

Onde antes havia tumulto, agora tem aprendizagem

Com a rotina reorganizada e os horários escalonados, é hora de pensar na melhoria do atendimento às crianças e na otimização do tempo delas e dos professores. O gestor, então, deve se perguntar: o que os funcionários podem fazer para tornar o dia a dia dos pequenos mais agradável e produtivo? O que eles já são capazes de fazer sozinhos e em que situações necessitam de auxílio? Quais habilidades ainda precisam ser desenvolvidas?

Os horários de entrada e de saída, quando bem organizados, afastam o tumuldo e se tornam momentos de aprendizagem. Irene Longhi, diretora da Creche Casa do Aprender, em Osasco, na Grande São Paulo, conta que depois que foram instalados os cantos de atividades diversificadas (leitura, desenho, casinha, consultório), as professoras conseguem atender os pais que querem conversar sobre a aprendizagem dos filhos. É possível ainda, em vez de ficar mandando as crianças esperarem de braços cruzados a hora de ir para casa, incentivar ações como colocar e fechar o agasalho e calçar os sapatos. É preciso pensar nas propostas para cada turma - nem difíceis demais que não possam ser aprendidas, nem muito fáceis que não representem um desafio. Limpar o nariz sem ajuda pode ser uma tarefa frustrante para quem tem 2 anos, mas bastante banal para quem tem mais de 4. Fazer essa previsão e programação é função dos gestores. "Se a instituição considerar uma perda de tempo o desenvolvimento dessas habilidades simples, quem sai prejudicada é a criança", diz Elza Corsi.

A organização da rotina como parte dos momentos de formação


Para intercalar momentos de cuidado e de atividades pedagógicas, mantendo uma rotina saudável para alunos e professores, é preciso atuar em sintonia com a equipe docente e incluir a organização do tempo nas reuniões formativas. Nesses encontros, os professores trazem informações sobre o andamento das atividades, a ocorrência de momentos de espera, de irritabilidade e alterações nos horários de sono, higiene e alimentação. Com base nesses dados, o gestor identifica demandas individuais e coletivas, repensa os horários e divide encaminhamentos com toda a equipe, inclusive com os funcionários de apoio.

Com o objetivo de otimizar esse trabalho, a diretora Ursula Goulart Lima Rozon, da IMI Diméia Maria Ferreira Diniz Endo, em São José dos Campos, a 100 quilômetros de São Paulo, elaborou um quadro detalhado em que é possível visualizar em qual espaço da escola estará cada grupo nos diversos momentos do dia. "Remanejamos as turmas e reposicionamos o pessoal da cozinha, os professores e os educadores para melhor atender às necessidades de todos nos diversos espaços de aprendizagem", conta Ursula. O quadro é entregue à equipe e, com base nele, cada docente planeja as atividades de seu grupo. Enquanto as crianças almoçam, por exemplo, sempre com a presença de dois educadores, um auxiliar arruma os colchões na sala para o momento de dormir - que só tem lugar depois da escovação dos dentes - e funcionários da limpeza preparam o ambiente que será usado por elas depois do soninho. Quando todos estão acomodados, é hora de os adultos almoçarem - porém, um grupo por vez.





Como trabalhar a escrita de contos de terror com os alunos

Histórias de terror entram em sala de aula e dão aos alunos a possibilidade de trabalhar com esse gênero, cheio de mistério e suspense


Thaís Gurgel, de São Luís, MA, e Bianca Bibiano

Não leia esta reportagem se você evita as histórias de terror. Pare imediatamente, pois ela pode causar arrepios. Este é o último aviso. Se prosseguir, por seu próprio risco, é porque sabe que o suspense e o medo típicos desse gênero são cativantes. Narrativas envoltas em uma aura de mistério, criaturas assustadoras e o uso eficaz de um dos sentimentos mais antigos - o medo - garantem a esse gênero uma legião de fãs, conduzidos por mestres como Edgar Allan Poe (1809-1849), Clive Barker e Stephen King. Entre a realidade e referências folclóricas, eles criaram textos que refletem a sociedade e seus maiores pavores - fundamentados ou não.

Além desse estilo característico, o terror também tem outras marcas que o distinguem. Costurando ações, personagens e ambientes, os autores transportam o leitor para o que pode ser chamado de transgressão, como explica Heloísa Prieto, escritora e doutora em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP). "Por meio de recursos linguísticos, como a construção detalhada das descrições espaciais, os textos deixam o leitor o mais a par possível da história para, logo em seguida, estabelecer um momento de ruptura, no qual nada mais é conhecido e eventos novos ocorrem sem que o leitor possa prever", explica.

A atração que o gênero provoca vem de longa data. "Os primeiros instintos e emoções do homem foram sua resposta ao ambiente. O medo é uma reação ao desconhecido e deixa em estado de alerta mesmo quando a pessoa está diante de um assombro", explica Howard Phillips Lovecraft (1890-1937), famoso escritor norte-americano de obras de terror que tinha como marca o uso da primeira pessoa para narrar suas histórias.

Ciente do apelo do tema entre os alunos, a professora de produção de texto Maria das Dores de Macedo Coutinho Raposo resolveu levar a temática para a sala de aula (leia o quadro abaixo). Os alunos do 6º ano da Escola Crescimento, em São Luís, já haviam estudado outros gêneros, entretanto, ela ainda sentia que os textos não avançavam. "Eles ficavam presos ao que achavam que eu queria e não conseguiam transmitir a criatividade que tinham para o papel", lembra.

Além de definir qual estilo de narrativa trabalhar, ela também desenvolveu um projeto que combinava a leitura de textos de referência, clássicos e modernos, com a escrita dos estudantes. Deu tão certo que lhe garantiu o Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10 e uma seleção de textos digna de escritores renomados. "O diferencial desse trabalho é o encontro eficaz da leitura com a escrita. A professora consegue ensinar o aluno a buscar subsídio para sua criação em textos do gênero", aponta Claudio Bazzoni, assessor da Prefeitura de São Paulo e selecionador do Prêmio.

Escrita de arrepiar

Maria das Dores de Macedo Coutinho Raposo nasceu há 35 anos em Balsas, a 793 quilômetros de São Luís, mas mudou para a capital do Maranhão ainda criança. Há 12 anos, ela atua na Escola Crescimento como professora de produção de texto. Inconformada com a dificuldade que tinha para melhorar a escrita dos alunos, ela fez cursos de formação e entrou em grupos de estudo que ajudaram a rever suas ações e desenvolver o projeto de contos de terror. A referência foi o material que chamou de "pautas de produções", com o qual se preparava. "Com elas, planejo melhor minhas intervenções", conta.

Objetivo

Com os contos de terror, Maria das Dores queria que os alunos do 6º ano produzissem textos de qualidade e, para isso, começou com o reconhecimento do estilo. Usando obras de referência e ajudando a turma a diferenciar o terror dos outros gêneros, ela definiu objetivos específicos que possibilitassem o avanço geral. "Usar o foco narrativo corretamente, criar momentos de suspense, adequar situações iniciais, problemáticas e finais ajudou todos a se situar de forma mais efetiva", explica.

Passo a passo

Depois de mostrar aos alunos o caminho a ser percorrido, a professora os levou a identificar o gênero: leituras guiadas ajudaram a perceber o que diferenciava o terror de um conto de fadas, por exemplo. A turma, então, partiu para as escritas parciais sem deixar as leituras de referência, que permearam todo o trabalho. Depois, veio a produção final, que começou com a definição da estrutura a ser seguida - um "esqueleto" dos contos, composto de situações iniciais, problemáticas e do fim. "Isso permitiu delinear o texto que seria produzido", explica. Para finalizar, foram feitas correções coletivas para a troca de ideias e a indicação de novos rumos. "Essa parte foi essencial porque consegui notar o avanço de todos e a busca por mais qualidade, que antes era uma cobrança só minha", observa.

Avaliação

Com pautas e esquemas de produção, Maria das Dores pode observar o avanço da classe. Além disso, ela compartilhou o momento de revisão, possibilitando que todos observassem os próprios erros ao ler e revisar o texto dos colegas. Ela também se valeu de um portfólio com o percurso de cada um. "Esses instrumentos me possibilitaram avaliar de onde partimos e aonde queríamos chegar. Com pausas estratégicas nos momentos de maior dificuldade, consegui resultados acima do esperado", conclui.

http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/como-trabalhar-escrita-contos-terror-alunos-producao-texto-lingua-portuguesa-portugues-546378.shtml?page=1